Thursday, February 18, 2010

Koorax - interview for "Papo Em Comunidade"

http://comunipapo.blogspot.com/

Interview to Patricia Ingo Tendrich, on February 8, 2010, to be posted in the "Papo Em Comunidade" blog.

Shalom!
Uma voz surpreendente que conquistou o mundo!Com vocês, no Papo de hoje, Ithamara Koorax!

Q: Olá Ithamara, bem vinda ao Papo em Comunidade!
Cantora consagrada, você recebeu prêmios lá fora, saiu em capas de revistas, foi reverenciada. Como se deu a construção da sua carreira?


IK: A carreira não foi "construida", ela simplesmente foi acontecendo da forma mais natural e espontânea possível. E até demorou a começar, porque só decidi me tornar cantora profissional em 1990, quando me separei. Até então era "dona de casa", embora sempre apaixonada por música. E isso eu devo à minha família, porque minha mãe era cantora lírica e meu pai adorava jazz. Eles vieram da Polônia, fugindo da Segunda Guerra. Tive quatro tios, por parte de pai, que foram assassinados em campo de concentração. Ele foi o único que conseguiu escapar, e aí conheceu a minha mãe em São Paulo, onde se casaram. Depois foram morar em Niterói, onde nasci e comecei, aos quatro anos, os estudos de música. Aos 12 eu já estava formada em piano, teoria e solfejo. Hoje, quando vejo a dimensão internacional que a minha carreira tomou, chego a tomar um susto. Me sinto abençoada porque jamais sonhei que pudesse alcançar uma fama mundial. Isso só me faz continuar estudando cada vez mais, não apenas porque o reconhecimento gera uma "cobrança", mas também porque preciso fazer jus aos que me apoiaram e apostaram em mim.

Q: O que você ouvia quando criança que a fez despertar o interesse pela música?

IK: Ouvia muita música clássica, principalmente ópera, junto com jazz e MPB. Adorava Elizeth Cardoso, Tom Jobim, João Gilberto, Chico Buarque, Stellinha Egg, Vanja Orico, Elis Regina, Simone, João Donato, Hermeto Pascoal. Na área do jazz eu ouvia muito Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Flora Purim, Chet Baker, Miles Davis, além de cantores como Tony Bennett, Frank Sinatra, Barbra Streisand. E ainda era apaixonada por um grupo de rock chamado Blood, Sweat & Tears. Coincidentemente ou não, mais tarde Elizeth Cardoso se tornaria minha madrinha artística, Tom Jobim gravaria comigo e, agora, acabo de lançar um disco em homenagem a João Gilberto. Fora isso, toquei e gravei com muitos ídolos como Hermeto, Donato, Luiz Bonfá, Dave Brubeck, Claus Ogerman, John McLaughlin, Gonzalo Rubalcaba, Marcos Valle, Dom Um Romão, Mario Castro-Neves e Eumir Deodato.

Q: Sua técnica é única, e sempre elogiada pelos críticos, principalmente pelos agudos. Você é autodidata ou cursou alguma escola?

IK: Além dos estudos de canto, piano e teoria musical durante a infância e a adolescência, até hoje eu continuo fazendo aula de técnica vocal, três vezes por semana. Faço muitos shows, praticamente posso dizer que moro em avião, então eu preciso estar em forma. É como um jogador de futebol ou qualquer outro desportista. Não existe craque se não houver disciplina. E estou sempre fazendo ginástica também, inclusive girotônica e natação.

Q: O CD “Serenade in Blue” foi a porta de entrada nos EUA. Conte para nós como foi.

IK: Em 1994, eu já tinha ganho prêmios importantes no Brasil, como o da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) e o Prêmio Sharp, que na época era uma espécie de Grammy brasileiro. Havia também gravado músicas para várias trilhas de novelas da TV Globo, lançado um disco aclamado pela crítica e realizado três excursões pelo Japão. Comecei a sentir que o mercado brasileiro estava muito ruim, dominado pelo pagode e pela falsa música sertaneja. As propostas das gravadoras eram péssimas, até axé queriam que eu gravasse. Ao mesmo tempo, começaram as viagens para a Europa, especialmente para Londres, onde travei contato com hip-hop, acid-jazz, drum & bass, e vi que havia um campo muito bom se abrindo para mim. O coroamento veio em 1998, com uma temporada triunfal ao lado do baterista Dom Um Romão no clube Jazz Café, de Londres, e o lançamento do CD "Bossa Nova Meets Drum & Bass". Mas eu permanecia desconhecida nos EUA, nunca havia sido sequer citada pelas revistas de lá. Até que o selo Milestone me ofereceu um contrato e lançamos o "Serenade in Blue" que me abriu as portas do mercado norte-americano em 2000, porque tinha várias músicas cantadas em inglês que tocaram muito nas rádios. Desde então os EUA se tornaram minha base artística.

Q: Quais são as suas cantoras ou cantores prediletos? (no Brasil e no mundo)

IK: Além dos que eu já citei, ouço muito Shirley Horn, Betty Carter, Diana Krall, Cassandra Wilson, Chaka Khan. Mas aprendo muito ouvindo instrumentistas, principalmente guitarristas e trompetistas, que influenciaram meu fraseado. Sem falar que minha divisão rítmica foi totalmente desenvolvida a partir do que aprendi ouvindo Dom Um Romão, Airto Moreira, Billy Cobham e Steve Gadd.

Q: Você foi eleita a terceira melhor cantora de jazz no mundo pela revista DownBeat. Como é estar ao lado de Norah Jones, Jane Monheit, entre outras, sendo uma brasileira?

IK: Pelo segundo ano consecutivo, fui eleita a terceira melhor cantora na votação dos leitores da DownBeat em 2008 e 2009, atrás apenas de Diana Krall e Cassandra Wilson, que são imbatíveis. Mas desde o lançamento do "Serenade in Blue", em 2000, eu fico entre as dez melhores não apenas na DownBeat, como também em outras revistas na Europa e na Ásia. Claro que é uma grande honra e eu fico muito feliz. Mas comemoro somente no dia em que recebo a notícia. Depois trato logo de esquecer, porque não posso ficar me preocupando com prêmios. Não faço discos para agradar a crítica. Para mim, o importante é agradar a mim e ao público. Se a crítica gosta, ótimo. O novo CD, "Bim Bom", está sendo elogiadíssimo no exterior, foi destaque até no New York Times! Então é óbvio que isso me alegra. Mas não ocupa os meus pensamentos por muito tempo. Música não é competição, é criação. A Norah Jones e a Jane Monheit, por exemplo, sofreram muita pressão, fizeram discos ruins e perderam público. Em 2009 nem apareceram na lista da DownBeat.

Q: Falando nisto, como você vê o público brasileiro? Você acredita ser mais internacional do que brasileira?

IK: Amo o público brasileiro e sou muito bem recebida aqui também. Acabei de fazer uma temporada de cinco semanas, em janeiro, no "Bar do Tom", no Rio, com casa lotada. Em abril estarei de volta para shows em Brasília, Curitiba e São Paulo. Porém, eu vejo o Brasil hoje em dia como uma parte do mundo. Fora a questão sentimental, é um país como qualquer outro. Sigo aquela máxima do Milton Nascimento: "o artista tem que ir aonde o povo está". No meu caso, o povo, que é o meu público, está no Brasil e também nos EUA, na Inglaterra, França, Alemanha, Finlândia, Japão, Coréia etc. Na terceira excursão européia que realizei em 2009, estive pela primeira vez em países como Sérvia e Bulgária, e fui tratada como rainha, participei de festivais de jazz fantásticos ao lado de nomes como Joe Lovano, Terence Blanchard, Kurt Elling e Anat Cohen, por sinal uma clarinetista israelense fantástica, sempre premiada na DownBeat, e que foi assistir o meu show em Belgrado. Esta semana viajo para uma nova turnê de 26 shows que irá começar pela Suiça. Mas ainda tenho muitos sonhos, claro. Entre eles, cantar em Israel e na Polônia.

Q: Como é transitar pelo jazz e mpb, mas sendo considerada uma cantora de jazz?

IK: Aprendi com o Hermeto Pascoal que a música não tem fronteiras, ela é universal. Por isso tenho horror a rótulos, embora viva sendo rotulada. Este carimbo de "cantora de jazz" se espalhou pelo mundo mas começou no Japão, porque achavam meu fraseado muito sofisticado para ser classificado como MPB. Mas eu canto todos os gêneros. Nos repertórios dos meus shows convivem Miles Davis, Michael Jackson, Lulu Santos, João Gilberto, Geraldo Vandré, e não fica aquela salada de cantora eclética, não. Porque todas as músicas são recriadas de acordo com a minha concepção estética, ganham a minha "cara". Os meus fãs não vão aos shows preocupados com o que irão ouvir. Eles sabem que tudo terá o "estilo Ithamara Koorax".

Q: Você acredita que gravadora ainda é importante para um artista?

IK: Claro! Nem que seja apenas para cuidar da distribuição e promoção do disco.

Q: Conte para nós um momento inesquecível.

IK: Foram vários... O dia em que fiz meu primeiro show como cantora profissional, em janeiro de 1990, no Rio Jazz Club. As gravações com Elizeth, Tom Jobim, Luiz Bonfá, Ron Carter e Sadao Watanabe. Os shows com Edu Lobo, João Donato e Hermeto Pascoal. Um concerto ao ar livre para quatro mil pessoas no Festival de Jazz de Seul, na Coréia, em 2006, em que fui ovacionada por uns cinco minutos, não me deixaram sair do palco e acabei cantando por quase duas horas. Os concertos com as orquestras sinfônicas Petrobrás e Jazz Sinfônica. Como diz o Roberto Carlos, "são tantas emoções"...(risos)

Q: Ithamara, obrigada por sua entrevista e deixe aqui o seu recado!

IK: A vida é um eterno aprendizado. Me sinto ainda uma iniciante, com fome de informação musical. E quanto mais eu aprendo, mais vejo que nada sei. E sigo procurando me aprimorar, desenvolver novas habilidades. Tudo isso num mundo sem fronteiras, como uma cidadã do universo com grande respeito por todos os povos. Esse é o grande barato da minha vida.

"Bim Bom" - Backstage review

"Backstage" magazine
February 2010
"Play-Rec" column, page 22
Review by Alexandre Coelho


"Bim Bom - The Complete João Gilberto Songbook" / Ithamara Koorax & Juarez Moreira

"Bim Bom" é uma reunião de talentos tão raros que só poderia resultar em um álbum excepcional. O repertório explora (e foge ao óbvio) a obra de ninguém menos que João Gilberto, um dos maiores compositores e intérpretes do mundo. O violão de Juarez Moreira presta tributo a um dos mentores da bossa nova sem deixar de lado sua própria identidade. A voz de Ithamara Koorax, inteiramente à vontade ao passear pelo gênero, justifica porque é uma das mais celebradas pelos amantes do jazz mundo afora: trata-se de um registro completo. É técnica, límpida, extremamente afinada, com emissão impecável e muita sensibilidade a cada interpretação. De quebra, a produção fica a cargo do experiente Arnaldo DeSouteiro que, sem firulas, extrai o melhor de cada nota.