Monday, September 3, 2007

"O jazz de uma iluminada"




Entrevista publicada no jornal "Monitor Campista" de Campos de Goytacazes, de 16 de Agosto de 2007, Ano 174, Nº 219


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maiscultura
Ithamara Koorax no Jazz & Blues
O 2º Imagem Jazz & Blues Festival Internacional prossegue hoje com show de Ithamara Koorax no Palácio da Cultura. A cantora foi fundo em suas lembranças e fez uma retrospectiva da carreira para os leitores do Monitor. Ithamara falou sobre suas influências, a carreira internacional e antecipou um pouco do repertório que apresenta aos campistas.

Capa do caderno B1 - maiscultura

O jazz de uma iluminada
Ithamara Koorax faz um retrospecto da carreira e conta como será sua apresentação, hoje, em Campos
Danielle Brandão
O Imagem Jazz & Blues, promoção do Sesc em parceria com a Prefeitura de Campos, está trazendo muitas atrações durante este mês e hoje a artista da vez é a cantora Ithamara Koorax, que se apresentará no Palácio da Cultura. A cantora, que foi eleita a quarta melhor no mundo do jazz pela revista DownBeat, promete levar ao público o melhor do jazz, temperado com MPB e Bossa Nova. Aproveitando sua vinda, o Monitor entrevistou Ithamara, que contou um pouco sobre a carreira, e sobre como surgiu seu interesse pela música.
Como surgiu seu contato com o jazz?

No início da adolescência, começou o interesse pela MPB, através de Elis Regina e, mais tarde, Elizeth Cardoso, que ainda hoje são as minhas cantoras brasileiras favoritas. Por uma abençoada sincronicidade do destino, muito tempo depois, quando iniciei a carreira profissional, Elizeth tornou-se minha madrinha artística. Aos poucos comecei a ouvir também jazz, especialmente os discos da Ella Fitzgerald e da Sarah Vaughan. Um dos meus favoritos era "The Best Is Yet To Come", da Ella, com arranjos de Nelson Riddle, que tinha uma gravação fantástica de "Autumn in New York". Tanto que, ao decidir grava-la como faixa-título do meu oitavo disco, em 2004, dediquei a faixa à Ella e Nelson Riddle. Lembro que eu também ouvia muito Frank Sinatra, Tony Bennett, e instrumentistas como Milt Jackson, Joe Pass, Miles Davis, Chet Baker. Depois me apaixonei por Urszula Dudziak, Helen Merrill, Shirley Horn e Flora Purim, as cantoras de jazz que mais me influenciaram.

O Brasil tem uma tradição no exterior com a consagrada Bossa Nova e MPB, porém você foi eleita a quarta melhor cantora do mundo no Jazz. O que significou isso para você?

Ter reconhecimento internacional é algo muito estimulante, que obriga você a se esforçar e se aprimorar cada vez mais. Por isso eu estou sempre estudando. A questão dos prêmios é relativa, porque em um ano eu posso aparecer em quarto lugar e depois em terceiro ou oitavo na lista das "melhores cantoras de jazz" elaboradas pelas principais revistas do planeta, como a americana DownBeat, a francesa Jazz Hot, a inglesa Jazz Journal e a japonesa Swing Journal. No ano passado, eu fiquei em sétimo lugar na eleição dos leitores da DownBeat, mas desde 2000 eles me colocam entre as "dez mais". Essas premiações são importantes porque ampliam a minha visibilidade e medem a popularidade do meu trabalho. Mas dependem de muitos fatores sobre os quais eu não tenho controle: divulgação, execução em rádio, resenhas etc. Então eu não posso ficar me preocupando com isso, devo apenas seguir estudando e procurando me aperfeiçoar para fazer jus ao reconhecimento que eventualmente ocorrer. Os grandes prêmios que eu considero mesmo foram as chances de ter trabalhado com meus maiores ídolos: Tom Jobim, Luiz Bonfá, Ron Carter, Dom Um Romão, Larry Coryell, Sadao Watanabe, Wagner Tiso, Dave Brubeck, Hermeto Pascoal, Claus Ogerman, Marcos Valle, João Donato, Gonzalo Rubalcaba e o grupo Azymuth, além da minha madrinha Elizeth Cardoso, entre tantos grandes nomes.
Você acha que o Brasil dá o valor merecido aos músicos de Jazz? Ou ainda é preciso dar mais oportunidades para jazz?

Há muitos festivais e uma boa divulgação. As "panelinhas" é que são o problema. A inveja também é uma m.... Quando mais sucesso você faz no exterior, mais a imprensa musical fala mal. Isso aconteceu com Jobim, Bonfá, Sergio Mendes, Carmen Miranda, não é uma nenhuma novidade. Eu agora aprendi a não revelar nem metade do que acontece de bom pra mim no exterior, para não aumentar o mau-olhado (risos).

Mesmo fazendo vários shows pelo país, você já encontrou dificuldades para divulgar seu trabalho?

Já encontrei sim, mas não posso me queixar do Brasil em termos de público. Em 2005 fiz 104 shows. Em 2006, 118. Metade deles no Brasil. Mas eu tenho que confessar que a minha prioridade é o mundo. O Brasil faz parte do mundo. Sigo aquela filosofia do Milton: "o artista tem que ir aonde o povo está". Ou seja, se me querem na Finlândia, na Inglaterra ou em Londres, eu vou. Se me chamam para Belém, Salvador ou Campos também vou e fico mais feliz ainda porque é o meu país. Eu nunca reneguei as minhas raízes. Eu as universalizei.

Você se acha uma cantora mais talhada à música brasileira ou ao jazz?

No Brasil, algumas pessoas dizem que eu me auto-proclamei "cantora de jazz", mas isso nunca aconteceu. Eu canto todos os tipos de música, inclusive jazz. Quando eu gravo trilhas sonoras para cinema ou para novelas, não estou cantando jazz. Meu maior sucesso no Brasil, "Iluminada", foi tema da personagem de Vera Fischer na mini-série "Riacho Doce", que aliás acaba de ser relançada em DVD. A música estourou nas rádios e até hoje pedem para cantá-la nos shows. "Iluminada" também me abriu as portas na TV Globo, tanto que eu já gravei dez músicas para trilhas de novelas como "Pedra Sobre Pedra", "Cara & Coroa", "Renascer" e "Fera Ferida". A mais recente foi "Absolute Lee", uma composição inédita de Tom Jobim que entrou na trilha de "Celebridade", em 2004. Meu maior sucesso na Ásia é "Dio Come Ti Amo", uma canção italiana do Domenico Modugno. Nenhuma delas tem a ver com jazz, foram estouros na parada pop. Quando eu faço concertos ou gravo com orquestras sinfônicas, canto Villa-Lobos. Se eu fosse uma cantora estritamente jazzística, não teria esta elasticidade estilística. Por que eu deveria me restringir a um único estilo, se gosto de vários? Eu não quero me limitar. Ao contrário, busco sempre a evolução artística, a expansão.

Um show sempre gera expectativas. Quais são as suas para o show de Campos?

Pra mim não tem diferença se eu estou fazendo um show com entrada franca em uma cidade do Rio ou um concerto de gala em Londres com ingressos a 120 libras. A minha entrega e a minha dedicação são as mesmas. A única diferença é a adequação do repertório ao tamanho do lugar, ao horário de show e à outras coisas deste tipo. Estive em Campos duas vezes, ambos os shows foram ótimos, o público me recebeu com um carinho imenso. Sou privilegiada porque tenho a liberdade de cantar apenas o que eu gosto. Ninguém manda na minha carreira. Posso cantar jazz, música clássica, MPB, bossa nova, música francesa, italiana, realmente não tenho preconceito de espécie alguma. Se a música fala ao meu coração, entra no meu repertório. É um "processo" comandado exclusivamente pela emoção.

E sobre o repertório e os músicos...

Pretendo cantar pelo menos uma música de cada um dos meus dez discos, além de temas do tecladista José Roberto Bertrami, que é o líder do grupo brasileiro de maior sucesso no cenário jazzístico internacional, o Azymuth. Ele também tocou e gravou com Sarah Vaughan e Elis Regina. Então é uma grande honra poder tocar com ele há 17 anos, desde o início da minha carreira em 1990. O trio é completado pelo baixista Jorge Pescara e pelo baterista Haroldo Jobim. Já temos uma interação quase telepática e sempre nos divertimos muito. Vou convidar também o cantor Marcos Ozzellin para dar uma canja na música "Linha do Horizonte".

Tem planos para um próximo CD? E agenda para os próximos shows?

Felizmente a agenda já tem shows marcados até maio de 2008. Acabei de chegar da Europa com o trio e agora já tenho que voltar porque uma música minha, "O Passarinho", gravada com a banda Gazzara, entrou na trilha sonora da versão italiana do Big Brother e estourou nas rádios e nas pistas de dança, com vários remixes. Depois retorno ao Brasil para o Festival de Jazz de Ipatinga, em Minas Gerais, e em outubro faço a minha turnê asiática anual, incluindo Japão, Coréia, China, Hong Kong e Taiwan. Meu próximo disco, gravado na Suiça em outubro de 2006, está pronto e será lançado no final deste ano. Claro que eu ainda tenho muitos sonhos, entre eles cantar em Israel e na Polônia. Mas posso dizer que já me sinto plenamente realizada. Se eu decidir me "aposentar" precocemente, me aposento feliz demais! Toquei e gravei com meus maiores ídolos: Tom Jobim, Luiz Bonfá, Ron Carter, Larry Coryell, John McLaughlin, Dom Um Romão, Dave Brubeck. O que mais eu poderia querer?

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