Sunday, February 1, 2009

Ithamara Koorax interview for "O Fluminense"

Jornal "O Fluminense"
Niterói, domingo, 1º, e segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009
Ano 131, Nº 38.522
Ithamara Koorax - A musa do Jazz
Niteroiense é eleita uma das melhores do jazz
Em turnê pelo Brasil, a cantora Ithamara Koorax, que atualmente mora em Los Angeles, nos Estados Unidos, fala a O FLU Revista do início da carreira e da associação com grandes músicos do jazz, além de revelar como conquistou o respeito dos críticos internacionais.
O FLU Revista
Fevereiro de 2009 - Número 45

Entrevista Ithamara Koorax
Na lista das MELHORES
A niteroiense Ithamara Koorax volta ao Brasil com a turnê "Brazilian Butterfly", carregando o título de uma das três melhores cantoras de jazz do mundo
Thaís Sousa
Fotos: Marcio Oliveira
Pouco menos de 19 anos de carreira foram suficientes para que Ithamara Koorax se consagrasse como uma das melhores cantoras de jazz do mundo, segundo a revista DownBeat, a "bíblia do jazz"... Aos 43 anos, a cantora alterna sua rotina entre viagens e apresentações pelos Estados Unidos, Europa e Ásia. Mas, ao aportar no Brasil para mais uma temporada de shows, Ithamara falou a O FLU REVISTA. Para poupar seu instrumento, a voz, a cantora concedeu entrevista por e-mail, mas fez questão de receber a equipe no Bar do Tom, no Leblon. Acompanhada pelos músicos Jorge Pescara (baixo), José Roberto Bertrami (teclados), Haroldo Jobim (bateria) e Paulo Fernando Marcondes Ferraz (percussão), ela cantou as músicas de sua turnê "Brazilian Butterfly", que já rodou o mundo.

Versão integral da entrevista concedida à repórter Thaís Sousa, do jornal "O Fluminense":

1) O seu primeiro contato com a música foi em canto coral. Como foi esse início e como chegou à carreira solo?

Na verdade meu primeiro contato com a música se deu através do estudo de piano clássico, com Helda Pinheiro dos Santos, grande pianista e harpista de Niterói, aos 5 anos de idade. Logo depois me alfabetizei ao mesmo tempo em que estudava solfejo, harmonia e teoria musical com Isis Machado, me formando aos 12 anos em teoria. O canto coral veio em seguida, quando entrei para o Coral do Centro Educacional de Niterói, regido pelo Professor Ermano Soares de Sá. Foi uma época maravilhosa, viajamos pelo Brasil e pela Europa, ganhamos vários festivais, e foi aí que surgiu a vontade de, um dia, adotar a música como carreira. Durante algum tempo eu era "cantora de final de semana". Gravei vários jingles, fiz backing-vocal para Tim Maia e Bebeto, participei de um disco de Vicente Viola, tive a honra de participar de shows de Tito Madi e Paulo Cesar Pinheiro, mas somente iniciei a carreira-solo como profissional em 1990.

2) Quais foram as suas influências musicais?

Minha mãe, que ainda vive, era cantora lírica, e meu pai também adorava música. Ambos poloneses. Eu fui a primeira pessoa da família a nascer no Brasil. Além de muita música clássica, eles ouviam música popular. Minha primeira cantora favorita foi Elizeth Cardoso, porque eu cresci ouvindo o histórico disco "Canção do Amor Demais", no qual João Gilberto plantou a semente da bossa nova ao acompanhar Elizeth na faixa "Chega de Saudade". Mas eu amava o disco inteiro, sabia todas as músicas e os arranjos de cor. Depois me apaixonei por Elis Regina e Barbara Streisand. Ouvia também Tony Bennett, Frank Sinatra, Chico Buarque, Stellinha Egg, Paulinho da Viola e Edu Lobo. Lembro de uma loja de discos na Rua Moreira César, entre Belisário Augusto e Oswaldo Cruz, cujo dono era o Elton, hoje dono do Steak House. Acho que se chamava Zoom. Foi lá que eu comprei meus primeiros discos de jazz, do selo Pablo, que lançava os LPs da Ella Fitzgerald e da Sarah Vaughan nos anos 70. Jamais poderia imaginar que, um dia, eu assinaria contrato com a Milestone Records, que havia comprado a Pablo, e minhas gravações seriam lançadas em compilações ao lado de faixas da Ella e da Sarah...

3) No início do seu trabalho, nos primeiros álbuns, seu estilo era MPB. Como chegou ao jazz?

Em 1991 eu fui convidada pelo lendário produtor Creed Taylor para participar, em Nova Iorque, de um disco do trompetista Art Farmer. Nos intervalos e noites de folga eu fui a vários shows de jazzmen como Louie Bellson, Michel Camilo, Gene Bertoncini, Joe Beck e de Lew Soloff, ex-integrante do Blood, Sweat & Tears, um grupo que eu amava. Claro que eu também fui assistir Liza Minelli no Radio City Music Hall, mas passei a maior parte do tempo ouvindo jazz por quase dois meses. Também acompanhei a mixagem de um disco do Luiz Bonfá, produzido pelo Arnaldo DeSouteiro no estúdio do Eumir Deodato, sem saber que, três anos depois, eu viria a trabalhar com esses três feras. O Arnaldo, aliás, foi o principal responsável por desenvolver minha paixão pelo jazz. Eu mesma produzi meu primeiro CD, junto com Mauricio Carrilho e Paulo Malaguti, e ficou um trabalho muito bonito, com músicas do Guinga e do Aldir Blanc, uma parceria que eu lancei. Tenho até o vídeo de uma entrevista do Aldir na TV Educativa dizendo que eu era "a terceira parceira", de tão envolvida que eu estava naquele processo de criação. Ganhei vários prêmios, mas o disco vendeu pouquíssimo. Ao gravar o segundo CD, "Rio Vermelho", em 1994, convidei o Arnaldo DeSouteiro para produzir. Ele adicionou elementos jazzísticos, improvisos e chamou músicos como Bonfá, Ron Carter e Sadao Watanabe. Ficou um disco de MPB, mas muito sofisticado. Ainda teve o Tom Jobim, que se ofereceu para participar porque tinha gostado das gravações das músicas dele no disco anterior. E quando você trabalha com músicos desse nível, você aprende muito. Embora tivesse apenas uma música americana ("Cry Me A River"), o disco foi rotulado como jazz no exterior, chegou ao Top 10 no Japão e levou minha carreira a tomar um rumo internacional.

4) Quando você decidiu sair do país? Foi pela música?

Eu nunca decidi sair do Brasil. A internacionalização da minha carreira aconteceu naturalmente, foi um processo orgânico, nada foi premeditado. Os convites para shows e gravações foram surgindo na Ásia, na Europa, nos EUA. E na verdade eu nunca deixei o Brasil, até hoje passo grandes períodos aqui. Em 2005 eu fui contratada pelo Sofitel para reinaugurar o Horse's Neck Jazz Bar, em Copacabana. Eles me trouxeram de Los Angeles e eu fiz uma temporada de três meses, com casa lotada diariamente. Voltei em 2006 e fiquei em cartaz quatro meses. Eu viajo pelo Brasil todo, já cantei na Bahia várias vezes, no Acre, no Pará, em Alagoas, Piauí, Macapá, Ceará, e sou sempre muito bem recebida. As pessoas conhecem meus discos, principalmente as gravações para as dez trilhas de novelas da TV Globo, e lotam os shows. Isso é muito legal porque mostra que o público brasileiro não me esquece, mesmo que eu passe metade do ano no exterior.

5) Existe espaço comercial para o jazz no Brasil?

Claro! Diria até que mais do que nunca. Uma cantora como a Leny Andrade, que é a nossa Sarah Vaughan, não pára de fazer shows no Brasil. Também houve um aumento enorme no número de festivais de jazz, que há dez anos atrás não existiam. Eu já cantei nos festivais de Ipatinga (Minas Gerais), Londrina (Paraná), Guaramiranga (Ceará), Rio das Ostras (RJ) e fiquei impressionada com a organização e com o público.

6) Fora do Brasil, você tem uma carreira sólida. Ainda se sente distante do público brasileiro? Como você lida com isso?

Não me sinto distante do público brasileiro, e a minha carreira também é sólida no Brasil. Faço uma média de 50 a 60 shows por ano no Brasil. Desde 1990 eu realizo temporadas anuais no Mistura Fina, sempre com grande sucesso, tanto que já virou tradição que eu abra a programação da casa, como aconteceu agora mais uma vez, com recorde de público e shows extras. O sucesso continuou por duas semanas de casa superlotada no Bar do Tom. Agora vou fazer show no Teatro da Caixa, em Curitiba, e lecionar na Oficina de Música de Verão promovida pela Universidade Federal do Paraná, dando o mesmo curso de técnica vocal e interpretação que eu ministro nas universidades européias. Depois sigo para São Paulo, onde faço dois shows no Teatro Cosipa antes de viajar para concertos com orquestras sinfônicas na Ásia e, na sequencia, uma turnê de quase dois meses pela Europa a partir de 14 de março. Não posso me queixar de nada.

7) Você foi considerada a terceira melhor cantora de jazz do mundo pela DownBeat, logo atrás de duas cantoras americanas. Como é esse reconhecimento justamente no mercado americano?

É claro que fico feliz e honrada. Mas, como digo sempre, não posso nem irei ficar deslumbrada. Fico feliz por dois dias e depois esqueço. Não canto para ganhar prêmios, não vejo a música como competição. O reconhecimento nos EUA demorou muito, só começou em 2000, com o sucesso do meu sexto CD "Serenade in Blue". Desde então venho sendo apontada entre as melhores cantoras, às vezes em quarto, às vezes em décimo lugar. Em 2008 veio o terceiro lugar na votação da DownBeat, fruto de uma dedicação muito grande ao mercado internacional. Como se trata da revista mais famosa de jazz em todo o mundo, esta eleição tem uma repercussão muito grande. Mas desde 1995 eu apareço nas listas de "melhores do ano" de várias revistas européias e asiáticas. Uma coisa que me surpreendeu mesmo foi ter sido consiederada, agora no final de 2008, uma das melhores cantoras de jazz de todos os tempos no livro "The Jazz Singers - The Ultimate Guide", do historiador Scott Yanow. Ele foi muito rígido na seleção, deixando de fora nomes como Madeleine Peyroux, Norah Jones e Joni Mitchell. Mas a minha biografia está lá, ao lado de Billie Holiday, Ella, Sarah, Carmen McRae, Betty Carter, Flora Purim... Issoi foi uma coisa que realmente me deixou emocionada.

8) Você é elogiada pela crítica devido ao seu timbre, mas também à sua extensão vocal. Manter a voz requer muita disciplina? Como você faz esse trabalho técnico?

Muita. E exige sacrifícios também: vou pouco à praia para não tomar vento, não posso beber gelado, cada vez falo menos ao telefone, e sigo fazendo exercícios vocais pelo menos duas vezes por semana, seja em que país do mundo eu esteja. Mas me divirto muito saindo para dançar, principalmente na Europa, e assistindo shows o elogio que mais gostei de receber aconteceu em 2007, quando o crítico Fred Bouchard, da DownBeat, começou a resenha sobre o "Brazilian Butterfly" escrevendo que eu era "deliciosamente imprevisível". Porque eu nunca me repito. Um ano eu gravo um disco inteiramente acústico cantando somente standards de jazz, em outro misturo bossa nova e drum 'n' bass, depois faço um projeto de baladas ou um disco bem dançante com DJs. O "Brazilian Butterfly", que foi aclamado pela crítica em 2007, só tem uma música americana, do Herbie Hancock. Todas as outras faixas são de autores brasileiros como Dorival Caymmi e Milton Nascimento. Meus fãs amam esta imprevisibilidade porque é uma prova incontestável da minha total liberdade artística, de poder cantar apenas o que eu gosto, sem dever satisfações a ninguém.


9) Morando nos Estados Unidos e visitando o Brasil periodicamente, como você enxerga o cenário musical brasileiro?

Confesso que não dá tempo de acompanhar o cenário musical brasileiro. Claro que tem muita coisa legal acontecendo, ótimos compositores novos surgindo como Rubens Lisboa, Marilene Meira e Jozi Lucka. Mas eu moro em avião! (rsss) Passo apenas uma parte do ano nos EUA, acabei de voltar de uma turnê maravilhosa em dezembro, mas já não aguentava mais o frio de 20 graus negativos. Geralmente eu evito ficar nos Estados Unidos ou na Europa no auge do inverno, mas desta vez não deu para resistir ao convite do Maestro Thiago de Mello para me apresentar com a big-band Amazon, em Nova Iorque, em um concerto comemorativo dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Foi um evento de repercussão mundial.

10) Voltar ao Brasil é uma possibilidade? Sente falta de viver aqui?

Hoje em dia me sinto uma cidadã do mundo. Como diz o Milton, "o artista tem que ir aonde o povo está". Ou seja, aonde ele é chamado. Seja Finlândia, Coréia ou Inglaterra. Faço música universal, para ser apreciada em qualquer parte do planeta, e o Brasil faz parte do mundo. Tenho horror a rótulos e preconceitos. E não chego a sentir falta do Brasil porque volta e meia estou por aqui. Só lamento que exista tanta inveja, tanta fofoca e tanto rancor no meio musical brasileiro.

11) Você é uma das filhas mais ilustres de Niterói, uma cidade considerada bastante musical. Pensa em se apresentar deste lado da baía?

Claro! É só alguém me convidar...

12) Quais são as suas maiores lembranças da cidade?

Adorava o Cinema da UFF. Além de ser perto da minha casa, pois eu morava na Praia de Icaraí, tinha uma programação ótima, alternando novidades e clássicos de Fassbinder, Bergman etc. Lembro demais da Cantina de Capri, também na Praia, das empadinhas de camarão do Caneco Gelado do Mário (no Centro), do Bar do Seu Luiz que eu frequentava quase diariamente, tenho muita saudade dos doces e pães maravilhosos da Padaria Beira-Mar na Rua Moreira César, da lanchonete Matinata e do Steak House, onde terminavam as noitadas. Ia muito à Praia de Itacoatiara, onde passava às vezes um dia inteiro. Vi muito show no Teatro Leopoldo Fróes. Niterói vai morar pra sempre no meu coração.

13) Ithamara, você já fez parcerias musicais com alguns dos maiores nomes da música como Ron Carter, Larry Coryell e Gonzalo Rubalcaba. No Brasil, por exemplo, gravou com Tom Jobim, Hermeto Pascoal, João Donato e Elizeth Cardoso, de quem você sempre se declarou fã. O que ainda falta realizar em sua carreira?

Muita coisa. Porém, paradoxalmente, já me sinto completamente realizada.

14) Depois do sucesso da turnê Brazilian Butterfly, quais são os seus projetos para 2009?

Mais shows e gravações. Quando voltar da turnê européia no final de abril, irei gravar um disco no Brasil. O repertório está sendo testado nestes shows no Rio. O público recebe uma cartela e vota em cinco músicas que gostaria que eu gravasse. Tenho que fazer discos na Ásia e na Europa também. Preciso completar projetos com Dave Brubeck e Rodgers Grant. Estou compondo com o guitarrista japonês Mamoru Morishita e com o tecladista italiano Francesco Gazzara. Fora da área do jazz, tenho muitos convites para trabalhos nos circuitos de dance-music e de música clássica contemporânea, principalmente na Suiça e na Alemanha.

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