Thursday, June 5, 2008

"O Globo" interview - A bossa nova de Ithamara Koorax


"A bossa nova de Ithamara Koorax"
Interview for one of Brazil's leading newspapers, "O Globo", published on June 5, 2008
by Leonardo Lichote
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Entrevista para o jornal "O Globo"
Leonardo Lichote

Versão integral
1. Qual a sua primeira lembrança relacionada a bossa nova? Uma canção que ouviu na infância, a primeira vez que você ouviu a expressão "bossa nova", algo do tipo.
Meus pais tinham o LP "Canção do Amor Demais", de Elizeth Cardoso, que eu adorava e ouvi durante toda a minha infância em Niteroi. Por causa dele passei a colecionar os discos da Elizeth. Depois vieram os de João Gilberto mais o "Elis & Tom", o "Tom & Edu", e todos os outros de Jobim. Por coincidência, ou melhor, sincronicidade, porque eu não acredito em coincidência, a Elizeth viria a assistir um show meu em São Paulo e se tornaria minha madrinha artística em 1990. E o Tom viria a participar do meu segundo CD, "Rio Vermelho", em 1994.

2. E profissionalmente? Como começou sua história com a bossa nova?
Não sou uma "cantora de bossa nova", não me limito a este estilo. Tive, sim, a grande benção de trabalhar com grandes mestres da bossa: Jobim, Luiz Bonfá, Donato, Marcos Valle, Os Cariocas, Edu Lobo, Baden Powell, Juarez Araujo, Raul de Souza, Mario Castro-Neves e dois dos maiores bateristas do mundo: Dom Um Romão e João Palma. Quando se fala em bossa nova, as pessoas só mencionam os cantores. Mas os músicos foram importantíssimos, a geração mais brilhante de instrumentistas que o Brasil já teve. Até o Hermeto despontou como pianista de bossa nova com o Sambrasa Trio!

3. Que momentos você destacaria de sua relação - pessoal ou profissional - com Tom Jobim? E com outros artistas ligados ao movimento, como João Donato, Marcos Valle, Os Cariocas?
Jobim foi um grande incentivador no meu início de carreira. Gravei várias músicas dele no meu disco de estréia ("Ithamara Ao Vivo", que ganhou o Prêmio Sharp em 1994, na categoria "revelação") e um dia recebi um telefonema dele elogiando as gravações. Por causa disso ele aceitou participar do meu segundo CD, "Rio Vermelho", em 1994. Gravamos três músicas "ao vivo no estúdio", como eu gosto, mas somente uma ("É Preciso Dizer Adeus", escolhida por ele) entrou no disco. Ele precisava ir para Nova Iorque no dia seguinte e disse que regravaríamos as outras duas "com mais calma" quando ele voltasse. Eu não sabia que ele estava doente. E ele infelizmente nunca voltou da viagem. As outras gravações permanecem inéditas, mas uma daquelas músicas, "Absolut Lee", eu acabei regravando em 2003 para a trilha da novela "Celebridade".
Fiz muitos shows com Marcos Valle, excursionamos por quase dois anos, em 1993 e 1994. Ele estava desde 1988 sem fazer shows, tinha se aposentado precocemente dos palcos. Por admirar muito a obra dele, o convidei para dividir comigo uma temporada no Teatro João Caetano, para a qual eu tinha sido convidada pelo Albino Pinheiro. A química deu certo e levamos o show para o Rival, para o People e saímos em turnê pelo Brasil.
Com Os Cariocas e o Cesar Mariano eu fiz uma gravação ao vivo de "Corcovado" para o projeto "Casa da Bossa", da Universal, relançada agora na compilação "Tom Pra Dois". Também gravei e fiz shows com Mario Castro-Neves, um gênio esquecido pela mídia.
Mas a maior convivência foi com o Luiz Bonfá, de quem fui amiga e vizinha na Barra da Tijuca entre 1990 e 2001. Gravamos juntos o CD "Almost in Love" (um songbook da obra dele) e ele participou de outros discos meus. Era um sábio e um gentleman, o ser humano mais generoso e low-profile que já conheci.

4. Entre as referências que formaram seu canto, há cantoras de bossa nova? Quais? E músicos?
Há cantoras ligadas à bossa como Elizeth, Elis, Claudette Soares e também a Doris Monteiro, que eu amo, além do Tito Madi e do João Gilberto, claro. E eu adoro o Jobim cantando! Me aprimorei muito como cantora, especialmente em termos de fraseado e divisão, depois que trabalhei com João Palma e Dom Um Romão, dois dos maiores bateristas do mundo e que, não por acaso, gravaram muito com o Tom. E sou apaixonada pelos solos do João Donato nos discos que ele fez nos anos 60, sei todos de cor. No show de hoje vou cantar "MInha Saudade" reproduzindo o solo original dele na gravação de 1963. Vai ter também "Hoba-lá-lá", do João Gilberto, na base de voz e bateria, e "Recado", do organista Djalma Ferreira em parceria com Luis Antonio, precursores da bossa.

5. A bossa nova atravessa sua carreira, de forma nada ortodoxa - seja com acento mais jazz, seja em projetos como "Bossa nova 21st century" ou "Bossa nova meets drum'n'bass". Como você vê o gênero? Como ele serve ao seu trabalho como intérprete?
Em fevereiro de 2007, o crítico Fred Bouchard, da DownBeat, se referiu a mim como "sempre deliciosamente imprevisível". Cada disco meu é diferente. Curto a aventura musical, gosto de experimentar sempre. Não para posar de "pioneira", mas por puro prazer de exercitar minha criatividade. "Wave 2001", que gravei em Tóquio em 1996, foi o primeiro disco de bossa nova em clima de acid jazz, foi Top 10 no Japão, vendeu mais de 100 mil cópias. A minha gravação de "Garota de Ipanema" virou tema do comercial do whisky Suntori e estourou nas rádios. E o "BN Meets Drum 'n' Bass", gravado em 98, foi o primeiro a colocar as canções de Jobim, Donato, Bonfá, João Gilberto e Marcos Valle no idioma do "drum 'n bass" que já era moda em Londres mas ninguém conhecia no Brasil.

6. Como você define a cinqüentenária bossa nova?
Imortal e atemporal.

7. Como será o show desta quinta no Centro Cultural Light? Que formação instrumental, que músicos, que repertório, que tipo de arranjos?
Passei anos cantando bossa com arranjos eletrônicos, samplers, programação. Na época do lançamento do "BN Meets Drum 'n' Bass", no antigo Ballroom, formei uma banda com oito músicos e dois DJs, o Marcelinho da Lua e o Dudu Dub. Os primeiros shows do Marcelinho, que hoje é um astro, foram comigo, e eu me orgulho de ter sido a primeira cantora brasileira a colocar DJs no palco. Agora que todo mundo faz isso eu voltei para o formato acústico, com José Roberto Bertrami e Paula Faour nos teclados (apenas por falta de piano acústico), Jorge Pescara no baixo e Haroldo Jobim na bateria.

8. Seu último CD é "Brazilian Butterfly", do ano passado. Está preparando outro? Se sim, como será?
Já gravei dois CDs na Europa, em abril, essencialmente jazzísticos, e dois no Brasil, em fevereiro, ambos de bossa nova e destinados ao mercado asiático. Um com arranjos de José Roberto Bertrami, líder do Azymuth, e o outro ao lado do espetacular violonista mineiro Juarez Moreira.

9. Na última década, você recebeu prêmios no Brasil e foi indicada a outras. Mas seu reconhecimento fora daqui é bem maior. O que explica isso, em sua visão?
O fato de entrevistas como esta serem uma raridade, quase um milagre! Por favor me permita uma correção: o "reconhecimento na imprensa carioca" é bem menor. Quase nada do que faço no exterior ou aqui no Brasil é noticiado no Rio de Janeiro. No ano passado eu fiz 95 shows no Brasil, todos lotados porque eu tenho um público fiel e a imprensa fora do Rio valoriza o meu trabalho. Seja em Belém, em Salvador ou aqui pertinho, em Campos dos Goytacazes, onde estive há duas semanas. Aonde eu chego tem sempre uma matéria de capa nos cadernos de cultura dos principais jornais de cada cidade. No exterior é a mesma coisa. Seja em Paris, Praga, Seul, Funchal ou Zurique. Acabei de voltar de uma turnê européia de 26 shows em 40 dias e todos os shows foram lotados. Em maio, fiz dois shows no principal clube de jazz da Alemanha, o Unterfahrt, em Munique, e os ingressos estavam esgotados há meses. No Rio de Janeiro eu posso fazer temporada de quatro meses no Sofitel que só sai tijolinho. Este ano fiquei o mês todo de janeiro no Bar do Tom e novamente só tijolinho. Não é uma reclamação, é uma constatação e a resposta à sua pergunta.

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