Saturday, January 2, 2010

Ithamara Koorax - Jornal do Brasil "Bênção a João Gilberto"

Jornal do Brasil
Revista Programa
1º a 7 de janeiro de 2010
páginas 16 e 17

JAZZ - ITHAMARA KOORAX
Bênção a João Gilberto
Com novo CD, cantora aproveita para festejar 20 anos de carreira

Phillippe Noguchi

Nome restrito a um seleto público no Brasil, Ithamara Koorax vê sua carreira crescer cada vez mais no exterior: a cantora foi eleita, pelo segundo ano consecutivo, uma das três melhores intérpretes de jazz do mundo, de acordo com os leitores da DownBeat, a principal publicação do segmento. Amealhando boas críticas nos EUA, Europa e Ásia, a cantora lança a turnê mundial de seu último disco, "Bim bom", no Rio, neste sábado, no Bar do Tom. O CD celebra os 20 anos de carreira da cantora, com releituras de João Gilberto, o grande homenageado do disco.

- Existe alguma outra lenda viva na música brasileira? Depois de ter trabalhado com gênios como Tom Jobim, Luiz Bonfá, Hermeto Pascoal e João Donato, só faltava me dedicar à obra de João - diz a cantora, que diz não se importar se o grande público ainda não a conhece no Brasil.

- Não faço disco nem show para agradar à crítica brasileira, até porque jamais conseguiria. Canto para agradar ao público, sentir a vibração da platéia, cantando junto. Amo cantar no Rio, ainda mais nesta época em que a cidade está lotada de turistas de várias outras cidades brasileiras.

Além das raras pérolas do mestre da bossa, como Minha Saudade e Obalálá, Ithamara relê temas pop com pegadas jazz, de Michael Jackson (Human nature) a Lulu Santos (Aviso aos navegantes), e músicas de seus CDs anteriores. Em abril, ela volta a cantar pelo Brasil, em Brasília, Curitiba e São Paulo.
ITHAMARA KOORAX - Eleita, pelo segundo ano consecutivo, uma das 3 melhores cantoras de jazz do mundo pela revista Down Beat, ficando atrás apenas de Diana Krall e Cassandra Wilson, comemora 20 anos de carreira em 2010 com o show que estréia no Rio. A apresentação traz o repertório do CD Bim bom, que acaba de lançar nos EUA. Bar do Tom, Rua Adalberto Ferreira 32, Leblon. Cap.: 350 pessoas.
Versão integral da entrevista realizada em 28 de dezembro de 2009:

- Uma homenagem ao "lado compositor" de João Gilberto é a principal marca do show. Como você teve a ideia de resgatar essa face de João?
IK: A principal marca do show, na verdade, é celebrar os meus 20 anos de carreira. Inicio, mais uma vez pelo Rio, uma turnê mundial, que agora se chama "Bim Bom World Tour" por causa do título do novo CD. Em 2009, foram 47 shows no exterior e 35 no Brasil. Em 2010, viajo para nova turnê européia em fevereiro. Depois, Ásia em março. E retomo as viagens pelo Brasil em abril, com shows em Brasilia, Curitiba, São Paulo e outras cidades. Me sinto muito feliz nesta celebração dos 20 anos de carreira. Especialmente comigo mesma. As metas traçadas foram alcançadas, a começar por conseguir fazer uma música universal. Os "presentes" musicais que vieram de surpresa foram mais importantes e valiosos ainda. Toquei e gravei com os meus maiores ídolos: Tom Jobim, Luiz Bonfá, Edu Lobo, João Donato, Hermeto Pascoal, Elizeth Cardoso, Marcos Valle, Tito Madi. O reconhecimento internacional se amplia e se solidifica a cada dia, num processo contínuo de levar minha voz à novas platéias no mundo todo. E tudo isso me mantem apaixonada pela música, sem preconceitos e sem fronteiras. É uma atitude não apenas musical, mas filosófica, cósmica, de colocar o (meu) espírito em sintonia com a energia de todo o universo. Do CD "Bim Bom" cantarei apenas quatro músicas a cada noite, variando pra não cair na repetição. Tipo assim: "Minha Saudade", "Hoba-la-lá", "Acapulco" e "Você Esteve Com Meu Bem?" estarão numa noite. Na outra entram "Bim Bom", "Valsa", "Coisas Distantes" e "Undiú", e assim por diante.
Sobre a decisão de homenagear o João: existe alguma outra lenda-viva na música brasileira? Depois de ter trabalhado com gênios como Jobim, Bonfá, Hermeto e Donato, só faltava me dedicar à obra autoral do João Gilberto. Não fazendo uma imitação, como tantos e tantas já fizeram, do jeito dele cantar. Mas trazendo à tona a sua criação como compositor, que acabou relegada à segundo plano. Injustamente. Porque, ouvindo uma música como "Bim Bom", gravada por ele em 1958, como lado B do 78 rotações que tinha "Chega de Saudade", você saca que a estética da bossa nova já estava inteirinha ali. "Chega de Saudade" era avançada para aquela época, chocou todo mundo. Mas o minimalismo de "Bim Bom" ainda era muito mais avançado, muita gente preferiu fingir que não tinha ouvido, porque realmente não conseguiu entender. Tem gente que não entendeu até hoje...(risos) Se a cabeça do João não funcionasse na base do "Bim Bom", não teria existido a concepção que ele aplicou às músicas do Tom.
A idéia de gravar o Songbook do João era antiga, mas tenho certeza que se concretizou na hora certa e com o parceiro certo, o guitarrista mineiro Juarez Moreira, que também sempre foi apaixonado pelo João. A prova de que acertamos na mosca é o fato do CD estar sendo unanimemente aclamado nos EUA, na Europa e na Ásia, com resenhas maravilhosas no New York Times, nas revistas JazzTimes, Cashbox e Billboard, no All Music Guide etc. E ainda me fez ser votada, pelo segundo ano consecutivo, uma das três melhores cantoras de jazz do mundo, segundo os leitores da DownBeat. Tudo isso, ignorado pela imprensa brasileira, está documentado no meu blog Brazilian Butterfly: www.ithamarakoorax.blogspot.com Falta apenas colocar o review da JazzTimes, que acaba de sair na edição de janeiro de 2010, chamando o disco de "essencial e histórico".

- E sobre as versões de sucessos pop que vão completar o repertório? Como você as escolheu e de que modo as músicas vão se encaixar no clima da apresentação?
A única coisa previsível nos meus shows é a imprevisibilidade. Como, desta vez, a intenção é celebrar os 20 anos de carreira, entrarão algumas músicas de discos anteriores, como "Un Homme et Une Femme" (do CD "Serenade in Blue", que você resenhou para o Clique Music) e "I Fall in Love Too Easily" (do CD "Autumn in NY"). Isso eu combinei comigo mesma para a estréia. Na noite seguinte posso escolher outras como "Love Dance" e "Iluminada".
Também levarei para o palco músicas que eu adoro cantar em casa, mas nunca havia interpretado "ao vivo". Tenho uma lista de 50 músicas "inéditas na minha voz" e irei selecionando algumas a cada noite.
É um repertório variado, que vai desde "Smoke Gets In Your Eyes", sucesso do grupo The Platters, até "Days of Wine and Roses", do Henry Mancini e "Aviso aos Navegantes", do Lulu Santos. Quero também voltar a cantar "Got to Be Real", "Never Can Say Goodbye" e "Human Nature", lançada pelo Michael Jackson no "Thriller", mas com uma pegada jazzística a la Miles Davis que eu já cantei nos meus shows nos anos 90. E antes que você me classifique como cantora eclética, vou logo negando. Porque não faço covers, transformo essas músicas de acordo com o meu sentimento. Todas adquirem a "sonoridade Ithamara Koorax", o "estilo Ithamara" de interpretar que os preconceituosos tradicionalistas odeiam e as pessoas de mente aberta sempre amam. Ou pelo menos respeitam.

- Verão no Rio combina com jazz? Como o clima da estação mais carioca de todas influencia seu show?
Não faço disco nem show para agradar a crítica brasileira, até porque jamais conseguiria. Canto para agradar ao público. Amo ver e sentir a vibração da platéia se divertindo, cantando junto. Não sou uma esnobe, e muito menos uma pseudo-intelectual. Não sou purista, tenho horror a esse papo velho de "jazz puro", até porque o jazz já nasceu impuro, misturado, se desenvolveu pegando influências da África, da Europa, de Cuba e até do Brasil, através da bossa nova. Sou uma entertainer. Então, no meu caso, o verão do Rio sempre combinou com jazz. Amo cantar no Rio, ainda mais nesta época em que a cidade está lotada de turistas de várias outras cidades brasileiras, o que gera uma energia incrível. A minha primeira temporada como cantora profissional aconteceu exatamente em janeiro de 1990, no Rio Jazz Club, com casa lotada. Desde então escolhi começar o ano cantando no Rio e sempre deu certo. Desde 2000 abri as temporadas anuais do Mistura Fina, inclusive em 2009, novamente com sessões extras e casa lotada, o que, obviamente, nunca foi registrado na imprensa. Desta vez, a festa será no Bar do Tom! E, garanto, com muita sensualidade musical e arranjos deliciosos.

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