Saturday, January 2, 2010

"Ithamara no tom de João Gilberto" - O Globo

Jornal "O Globo"
Revista "Rio Show"
Sexta-feira, 1 de Janeiro de 2010, página 22

SHOWS
Ithamara no tom de João Gilberto
Cantora lança CD em homenagem ao mestre da bossa nova em temporada no Bar do Tom

Rafael Teixeira

Apaixonada por João Gilberto, Ithamara Koorax - dona de uma das mais elogiadas vozes do jazz mundial - reverencia o mestre com o lançamento do disco "Bim bom", em temporada que começa amanhã e segue até o fim do mês, no Bar do Tom.

O disco, no qual ela conta com a parceria do guitarrista mineiro Juarez Moreira, já foi lançada lá fora, onde teve recepção calorosa da crítica.

- A idéia de fazer um disco em homenagem ao João Gilberto é antiga, mas foi sendo atropelada por outros projetos - diz Ithamara.

Além da faixa-título, o repertório inclui "Undiú", "Bebel" e "Hoba-Lá-Lá", entre outras compostas pelo músico. Também estão previstas canções de outros autores.
Página 23
> Ithamara Koorax. A cantora apresenta o repertório de seu novo disco, "Bim bom", em homenagem a João Gilberto. Hits como "Aviso aos navegantes", de Lulu Santos, e "Human Nature", de Michael Jackson, também podem aparecer no repertório mutante.
Bar do Tom: Rua Adalberto Ferreira 32, Leblon. R$60 (setores par e ímpar), R$70 (setor A) e R$80 (setor palco). Até 30 de janeiro.
Versão integral da entrevista realizada por Rafael Teixeira em 11 de dezembro de 2009:

1. João Gilberto sempre foi uma referência declarada na sua carreira, mas só agora você dedica um disco inteiramente a ele, este novo "Bim bom"... Por que demorou tanto?

IK: A idéia é antiga, apenas foi sendo atropelada por outros projetos. Mas tenho certeza que se concretizou na hora certa e com o parceiro certo, o guitarrista mineiro Juarez Moreira, que também sempre foi apaixonado pelo João e aprendeu todas as músicas de ouvido, ainda na infância. A prova de que acertamos na mosca é o fato do CD estar sendo unanimemente aclamado nos EUA, na Europa e na Ásia, com resenhas maravilhosas no New York Times, na Cashbox, na Billboard, no All Music Guide etc. E ainda me fez ser votada, pelo segundo ano consecutivo, uma das três melhores cantoras de jazz do mundo, segundo os leitores da DownBeat. Há dez anos eu estou entre as dez melhores, não apenas na DownBeat mas também segundo várias outras revistas de jazz no mundo inteiro, então isso me deixa muito feliz.

Mas é claro que eu sei que o CD será esculhambado pela crítica brasileira, embora o João seja a última lenda-viva da música brasileira. Depois de eu ter trabalhado com gênios como Tom Jobim, Luiz Bonfá, João Donato e Hermeto Pascoal, era natural que eu me aventurasse pela obra autoral do João - jamais gravaria um tributo ao "João intérprete", porque seria ridículo tentar imita-lo, inclusive porque várias pessoas já fizeram isso e os resultados sempre foram medíocres.
Pela primeira vez, todas as composições do João estão reunidas em um disco. E, é bom frisar, não é um disco de bossa nova. Tem bossa, mas também tem baião ("Undiú"), valsa ("Bebel"), bolero ("Hoba-Lá-Lá"), samba-canção ("Você Esteve Com Meu Bem?"). Algumas músicas são cantadas em português, outras em inglês, muitas são apenas vocalizadas, já que não possuem letras, e "Minha Saudade" tem, pela primeira vez em disco, um solo meu de scat-singing.

2. Você se lembra da primeira vez que ouviu João Gilberto? Como foi que a música dele apareceu na sua vida, e que influências você absorveu dele?

IK: A concepção revolucionária do João chegou a mim através da participação dele no disco "Canção do Amor Demais", de Elizeth Cardoso. Meus pais adoravam o LP e eu cresci ouvindo aquelas músicas. Conheço de cor todos os arranjos do Tom Jobim. Por sincronicidade, ao iniciar profissionalmente minha carreira, em 1990, Elizeth se tornou minha madrinha artística. Depois o Tom gravou comigo, em 1994. E agora eu celebro meus 20 anos de carreira reverenciando o João!

3. Que músicas do disco novo entram neste repertório?

Veja que incrível: "Hobá-Lá-Lá" eu canto desde o meu primeiro show como profissional, exatamente em janeiro de 1990, no antigo Rio Jazz Club. Na temporada no Mistura Fina, em 2009, ela também estava lá, você a ouviu. Era a música com solo do Paulo Marcondes Ferraz nas congas. Durante esse tempo todo, é claro que o arranjo foi se transmutando, já devo ter cantado esta música de umas vinte maneiras diferentes. E gravei de um jeito diferente do que você ouviu no Mistura. Isto é exercer a criatividade, isto é jazz! "Minha Saudade" eu já tinha gravado duas vezes, nos CDs "Wave 2001" (1996) e "Bossa Nova Meets Drum & Bass" (1998).

Ao longo da temporada devo cantar todas as músicas do disco, mas apenas quatro delas a cada noite, para não cair na repetitividade, porque tenho horror à mesmice.

4. E de fora do disco, o que entra no show? Como foi a escolha do repertório?

Eu não faço show para agradar a crítica brasileira, até porque jamais conseguiria. Canto para agradar ao público. Amo ver e sentir a vibração da platéia se divertindo, cantando junto. Não sou uma esnobe, e muito menos uma pseudo-intelectual. Sou uma entertainer. Como sempre faço, vou levar para o palco músicas que eu adoro cantar em casa, mas nunca havia interpretado em shows. Tenho uma lista de 50 músicas "inéditas na minha voz" e irei selecionando algumas a cada noite. É um repertório variado, que vai desde "Smoke Gets In Your Eyes", sucesso do grupo The Platters, até "Aviso aos Navegantes", do Lulu Santos, que eu a-m-o!!!! Quero cantar também "Human Nature", gravada pelo Michael Jackson no "Thriller", mas com uma pegada jazzística a la Miles Davis. Mas não me rotule de cantora eclética, please, porque não faço covers. Todas as músicas são reprocessadas para o "estilo Ithamara Koorax" que me fez ser valorizada e tratada com respeito no mundo inteiro, exceto no Brasil.

5. A última vez que você cantou no Rio, em show solo, foi em janeiro do ano passado, no Mistura Fina?

A última temporada-solo no Rio foi durante todo o mês de janeiro de 2009. Começou no Mistura Fina, lotadíssimo, com sessões extras, e continuou por mais três semanas de casa igualmente lotada no Bar do Tom. Depois fui pra Ásia, fiz três excursões pela Europa, fui gravar um outro disco nos Estados Unidos, enfim, muita coisa. No exterior, em 2009, foram 47 shows. No Brasil, 35, incluindo várias idas a São Paulo para shows no SESI, no circuito do SESC, no CCBB etc. Mas é normal mesmo que eu faça apenas uma temporada no Rio a cada ano. Ainda mais agora com a agenda cada vez mais lotada no exterior. Em fevereiro eu viajo para nova turnê na Europa, devendo voltar ao Brasil apenas em abril.

No comments: